Diego Mendesda CNN São Paulo 27/05/2023 às 23:00 | Atualizado 28/05/2023 às 08:55

A crise no varejo brasileiro está fazendo o setor rever o clássico modelo de negócios. Os desafios enfrentados por grandes varejistas como Lojas Americanas, Tok Stok, Amaro, Riachuelo, Marisa, Renner e Livraria Cultura, por exemplo, acende um alerta em todo o comércio do país.

Essa temporada desafiadora para os negócios do varejo fez com que marcas fortes do mercado entrassem para o grupo das varejistas que estão fechando suas lojas e enxugando operações.

Segundo Max Mustrangi, especialista em reestruturação de empresas e CEO da Excellance, a Americanas, Marisa e Tok&Stok não devem ser as únicas empresas a enfrentar problemas de alavancagem financeira excessiva.

“Riachuelo, Via Varejo, Magalu, Natura, C&A, Carrefour, Pão de Açúcar, enfim, não faltam empresas que não estão indo bem”, avalia.

Mustrangi projeta que deve ocorrer novos pedidos de recuperação judicial, porque muitas empresas estão no limite para lidar com o cenário atual.

“Os pedidos não param de crescer em relevância. As empresas estão passando por problema de alavancagem financeira excessiva e sem fluxo de caixa para o pagamento de suas dívidas. Não há dúvidas que isso deve acender um sinal de alerta para todos os empresários, independentemente do porte e segmento de suas companhias”, alerta.

Ulysses Reis, especialista em varejo e professor da Strong Business School comenta que em 2020 e 2021, com o início da pandemia, veio junto com o lockdown e também com uma série de mudanças econômicas. Boa parte da população do mundo foi retirada do mercado de trabalho durante esse período.

“Algumas pessoas conseguiram trabalhar em home office, mas muitas outras profissões, como pessoas que trabalham no varejo, em mineração e transportes e mesmo na parte de hotelaria e outras áreas, tiveram que parar de trabalhar”, lembra Reis. Ele explica que essa situação teve um custo e está sendo pago agora em 2022 e 2023.

“Governos de vários países lançaram mão de programas de apoio a pessoas que estavam fora do mercado de trabalho. Estes programas acabaram gerando uma questão inflacionária que está acontecendo em quase todos os países do mundo. A gente poderia dizer que o custo da pandemia está sendo pago agora pelas famílias e pelas empresas”, diz Reis.

Combinado a isso, destaca o especialista, ainda houve um problema de desestruturação do funcionamento da cadeia produtiva e logística do planeta. “Com essas empresas fechadas, não houve investimento e desenvolvimento de portos e transportes, agravando ainda mais o cenário. Foi criada uma situação mundial em que todo o sistema produtivo ficou desestruturado, teve um custo muito elevado e está sendo pago hoje”.

Para ele, como as pessoas, durante a pandemia, se acostumaram a comprar de uma forma diferente, ou seja, passaram a comprar nas suas casas, recebendo o produto em casa, “agora estamos tendo que reestruturar toda a cadeia produtiva de distribuição, causando um impacto muito forte.”

Concorrência

Outro ponto que fez com que o comércio brasileiro entrasse em uma crise foi o avanço dos sites estrangeiros de vendas. Plataformas como Shein, Shopee e AliExpress entraram nas casas dos brasileiros com produtos que agradaram às pessoas e com um preço muito mais baixo do que os praticados no país.

O Ministério da Fazenda anunciou que passará a fazer a cobrança dos impostos sobre produtos de marketplaces chineses no momento da compra, e evitar sonegações, justamente para combater essa concorrência desleal.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, chamou de “digital tax”, é o imposto de 60% sobre a compra que já existe, mas que será recolhido na fonte, antes do envio da mercadoria.

Reis diz que as grandes empresas brasileiras que trabalham concorrendo com as estrangeiras no varejo, estão sofrendo neste cenário. Os sites estrangeiros estão atuando na área do e-commerce, não diretamente estando no país. Ou seja, não tem custos como tem uma loja física, equipe, ponto de venda, aluguel, impostos, enfim.

“Na verdade, elas têm uma série de benefícios a favor delas — produzem lá fora e trazem para cá.”

Porém, uma parte das empresas brasileiras também importa produtos deles e revende aqui, o que também representa custo. “Então, as nacionais, dificilmente tem como concorrer com os sites internacionais que usam o meio digital.”

Com juros altos, crédito restrito, pedidos de recuperação judicial e falência se intensificando, várias lojas estão vivendo com esse problema financeiro.

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No início de 2023, as Lojas Americanas entraram com um pedido de recuperação judicial na 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro. A dívida da varejista é de cerca de R$ 43 bilhões, no qual envolvem aproximadamente 16,3 mil credores. Na época, a empresa divulgou um fato relevante mostrando uma “inconsistência financeira” de R$ 20 bilhões em seu balanço.

Segundo a empresa, a companhia vai seguir operando normalmente nas mais de 1.700 lojas físicas em todo o Brasil, sites e apps, dentro das regras do processo de recuperação judicial.

Outra empresa, a Renner, anunciou no início de maio que fechou 20 lojas de suas marcas no primeiro trimestre deste ano em relação aos últimos três meses de 2022. No total, foram 13 unidades da Camicado, quatro da própria Renner e três da Youcom.

Em nota, a empresa disse que costuma fazer ajuste de portfólio de lojas e o saldo líquido é sempre positivo. “Entendemos que as aberturas e os fechamentos são movimentos naturais do varejo. A companhia segue fazendo uma análise do desempenho das suas operações, como sempre fez, agora levando em conta o fluxo de clientes pós-pandemia, o que ocasionou uma revisão maior e mais concentrada nesse início de ano.”

Afirmaram que pode haver fechamentos pontuais, dentro da normalidade e que, na mesma forma, nos próximos meses, vão retomar o volume de inaugurações de novas lojas.

A varejista de moda Marisa também anunciou, no dia 16 de maio, que planeja fechar 91 lojas no terceiro trimestre de 2023, 27%, ou quase um terço das 334 unidades existentes até o fim de 2022, mas que faz parte de um plano de capitalização e reestruturação.

Reforça que, com a finalização dos fechamentos de 91 lojas neste trimestre [abril a junho], a companhia estima aumento de Ebitda de R$ 62 milhões em base anual recorrente.

A Riachuelo fechou a sua loja conceito localizada na rua Oscar Freire, nos Jardins, região nobre de São Paulo. Inaugurada em novembro de 2013, o espaço ocupava 1.200 metros quadrados na esquina com a rua Haddock Lobo, um dos pontos mais concorridos do comércio do País.

Mas, ressalta que esse fechamento foi pontual e visa o crescimento sustentável do Grupo. “Temos uma loja há menos de 1km, na Avenida Paulista e estamos em vias de inaugurar outra na região.”

A Riachuelo está em negociação com outros espaços para abertura de novas unidades, em linha com o seu plano estratégico.

A icônica Livraria Cultura está em uma situação mais complicada. O TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) negou recurso apresentado pela livraria e a empresa voltou a ter sua falência decretada. Para o desembargador J.B. Franco de Godoi, a empresa não tem condições econômicas de cumprir com seu plano de recuperação.

A livraria esclareceu que a decisão de ter novamente falência decretada não fala de novo descumprimento do Plano de Recuperação Judicial, mas sim, se refere aos mesmos temas da decisão de fevereiro, pois não há novas alegações de descumprimento do Plano.

“Estamos em plena atividade, em estrita conformidade com o Plano e não há nenhum credor solicitando a falência da Livraria neste momento. A única pendência até então — o pagamento do crédito do Banco do Brasil — já está sendo resolvida.”

A Tok&Stok, uma das maiores varejistas de móveis do Brasil, também fechou algumas lojas e promoveu saldões com ofertas de até 50% para acabar com o estoque das unidades. A consultoria de tecnologia Domus Aurea, com sede em Barueri (SP), pediu a falência da empresa em um tribunal de São Paulo.

A alegação é que a varejista tem uma dívida de R$ 3,8 milhões, referente a um projeto que foi suspenso. O valor é questionado pela Tok&Stok, de acordo com fontes.

A varejista de moda Amaro pediu à Justiça de São Paulo a homologação de seu pedido de Recuperação Extrajudicial, processo em que a empresa faz acordo com seus credores.

A companhia soma dívidas de R$ 244,5 milhões, sendo R$ 151,8 milhões em dívidas bancárias e R$ 92,8 milhões com fornecedores.

Tanto a Tok&Stok quando a Amaro disseram que não vão se manifestar sobre o assunto.

 

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