com 2,5 mil lojas abertas no País, executivo vê retomada lenta da economia após crise do coronavírus; ele participou da série ‘Economia na Quarentena’, do ‘Estadão’
O setor de cosméticos, em tempos de crise, é visto geralmente como um privilegiado porque é beneficiado pelo que os economistas chamam de “efeito batom”. Como o custo dos produtos é relativamente baixo, mesmo em cenários de retração, os cosméticos acabam tendo um bom desempenho. Não é o que está ocorrendo durante a pandemia de coronavírus, segundo o presidente do Grupo Boticário, Artur Grynbaum. “Nessa crise o efeito batom não apareceu, porque o convívio social ficou prejudicado”, disse o executivo, que participou da série de entrevistas ao vivo Economia na Quarentena, do Estadão.
Para Grynbaum, a retomada será lenta – e as dificulades irão muito além dos três ou quatro meses inicialmente previstos. “A volta é bastante lenta. Nos primeiros dias, tem um certo consumo represado. Fora isso, o movimento é lento”, afirmou o presidente do grupo de cosméticos. “Está bastante turvo o cenário, está difícil entender a dimensão da crise. A crise não é só de saúde, é econômica e aqui no Brasil ainda tem o componente político. Isso dificulta números mais assertivos de retomada.”
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Qual será o plano de construção de retomada do Boticário pós-pandemia?
O plano já está em marcha. Hoje, temos em nosso portfólio de 4 mil lojas, sendo que cerca de 2,5 mil já abertas em diversas regiões do País. Obviamente, são em cidades menores. Mas estamos orquestrando com nossos franqueados e distribuidores para retomarmos de maneira segura. Para isso, temos de ter as nossas fábricas em funcionamento e nossa distribuição. Os nossos escritórios estão em home office.
O setor de cosméticos é de experimentação. Vocês estão revendo alguns desses processos?
Estamos revisitando tudo. É muito importante a segurança dos consumidores que iremos voltar a receber. Eles precisam ter segurança para entrar em nossos ambientes. Teremos padrões de distanciamento dentro e fora das lojas. Retiramos todos os testes, foram colocados todos atrás do caixa. A consultora pegará uma fita ou um produto de forma altamente higienizada. Na maquiagem, estamos colocando instrumentos digitais no ponto de venda para que se possa fazer maquiagem virtual. Tem todo um treinamento para que não se abra mão da experiência. Nosso setor passa por cheiro, por toque e sensorial.
O grupo Boticário tem a maior rede de franqueados do País. Há algum tipo de auxílio pensado para eles?
Estamos agindo nesse momento de crise do mesmo jeito que nos últimos 43 anos de história. Muito focados na questão do consumidor, trabalhando lado a lado na nossa rede para entender suas reais necessidades. Os nossos parceiros de negócios, estamos trabalhando de maneira conjunta. Num primeiro momento, na questão de ordem financeira. Fizemos prorrogações dos títulos de março e abril para que eles tivessem mais tempo para que eles olhassem suas operações e times, além de contratos de locação. Fizemos um longo parcelamento de produtos. Temos um longo relacionamento com os franqueados, sendo que muitos estão na segunda geração de administradores.
Os setores vão se recuperar de forma desigual. Como o setor de cosméticos deve se comportar?
Num primeiro momento da pandemia, as pessoas se voltaram para as necessidades essenciais. A busca foi para álcool em gel, sabonetes. Na sequência, itens de uso rotineiro, como xampus e desodorantes – coisas que as pessoas continuaram a consumir. Nesse período, surgiu a figura do faça você mesmo. Com salões de beleza fechados, as pessoas não querem abrir mão de ter o cabelo hidratado. Então, elas estão buscando alguns produtos para fazer as aplicações em casa. Tem uma terceira questão, que é a da indulgência. Ou seja, a pessoa querer se cuidar. Então, os produtos de cosméticos e de perfumaria, por ter um baixo valor econômico, com um alto impacto de bem-estar entre as pessoas, vamos ver nos próximos tempos. Mesmo em maquiagem teve uma melhora, embora não tenha voltado aos níveis pré-crise.
Como está o movimento das lojas?
A volta é bastante lenta. Nos primeiros dias, tem um certo consumo represado. Fora isso, o movimento é lento. As lojas de shoppings ainda estão com movimento bastante baixo, assim como as das regiões centrais da cidade. Nas lojas de bairro e de hipermercados, o movimento está melhor. As pessoas associam a questão os cosméticos como um setor resiliente à crise. As pessoas associam ao ‘efeito batom’. Só que, nesta crise, o efeito batom não apareceu porque o convívio social está prejudicado. Esperamos que retorne na sequência.
O cenário econômico está muito difícil de prever? A crise política no Brasil, com a saída de vários ministros, agrava essa situação?
Está bastante turvo o cenário, está difícil entender a dimensão da crise. A crise não é só de saúde, é econômica e aqui no Brasil ainda tem o componente político. Isso dificulta números mais assertivos de retomada. A gente entende que não vai ser uma questão de três ou quatro meses. Vai demorar para voltar ao ponto em que estávamos em março de 2020. É um ledo engano pensar que vai ser rápido. Obviamente quanto mais volatilidade, mais fica difícil de prever. Temos nossas curvas de demanda, e temos de estar preparados para acelerações ou recuos. Mas está turvo, porque hoje estamos dependendo de humores. E precisamos olhar para fundamentos para tomar melhores decisões.
A empresa lançou mão de medidas do governo de suspensão de contratos ou corte de salários por causa da pandemia?
Estamos tentando o máximo possível preservar os empregos. Então lançamos mão da MP 936 e colocamos contratos em suspensão. Depois desse período, a gente espera ter uma visão melhor para termos mais condições de tomar decisões lá na frente. Mas estamos até contratando para algumas posições específicas.
E que tipo de profissionais a empresa está trazendo agora?
Não só para o nosso caso, mas para o mercado inteiro a tecnologia avançou muito. Eu tenho ouvido das empresas cinco anos em dois meses. Estávamos embarcados em transformação digital e fomos jogados, com a crise, em um movimento de esquecer os testes para partir para a escala. Nosso franqueado trabalha com e-commerce, vendas por WhatsApp, chat e outras tecnologias.
O Grupo Boticário segue apenas os decretos de Estados e municípios na hora de reabrir lojas? Ou acompanha os casos por conta própria?
Estamos fazendo um acompanhamento próprio e próximo. Estamos tendo cuidado na reabertura das lojas. O pilar essencial é a segurança das pessoas. Temos acompanhando os decretos municipais e estaduais, mas fazemos um acompanhamento separado por município: número de casos, mortes e leitos disponíveis, entre outros indicadores. E, em posse disso, vamos conversar com nossos franqueados para entender a situação de cada região. Já teve casos em que foi determinada a reabertura e nós não realizamos, por entendermos que não existia um ambiente seguro. Em Belém do Pará, nós fechamos as lojas em 22 de março. A autoridade pública só determinou o fechamento em 25 de abril, entrando oficialmente em vigor no dia 4 de maio. E nesse período todo nós já estávamos fechados, pois já víamos a possibilidade de crescimento de casos. Temos tido esse costume em várias praças. Precisamos de indicadores para tomar as nossas decisões.
Fica alguma lição para as empresas dessa crise sem precedentes?
Acho que a grande lição vem da colaboração. E também a questão de romper barreiras imaginárias. A própria questão do home office, o receio que havia de fazer. E aconteceu que fomos obrigados a fechar os escritórios e dois dias depois estávamos todos em casa. E as coisas funcionam. Nos adaptamos e fomos bem. E agora temos de planejar o retorno para inserir essa realidade. São mudanças importantes que estavam sendo semeadas, a busca por modelos de solução de problemas – e agora ele está aí. Tem sido um chacoalho bastante grande. Temos de olhar para frente para reproduzirmos esse bom comportamento no futuro.
fonte:Fernando Scheller e Mônica Scaramuzzo, O Estado de S.Paulo
26 de maio de 2020 | 16h40
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