2020 não foi tão ruim quanto se chegou a prever – mas também não podemos relativizar o desastre do ano passado
Há duas maneiras de se olhar o cenário econômico: pelo retrovisor e pelo para-brisa. É importante mirar ao mesmo tempo o que ficou para trás e o que vem pela frente: registrar o passado para compreender o presente e tentar antecipar o futuro.
Os dados do IBGE, divulgados no início do fevereiro, mostraram que 2020 não foi tão ruim quanto se chegou a prever. O PIB encolheu 4,1%, mas as expectativas iniciais davam conta de uma contração de cerca de 9%. Se o Brasil não foi bem, outros países tiveram desempenho ainda pior. De acordo com a OCDE, as economias de Japão, Alemanha e Canadá retraíram em torno de 5%. A França viu o PIB murchar em mais de 8%. O Reino Unido encostou na queda de 10%. A Espanha bateu em 11%.
Não é o caso de relativizar o desastre do ano passado. Foi o pior resultado em 30 anos. Com isso, o Brasil deixou de fazer parte do clube das dez maiores economias do mundo, como certamente mostrará o ranking a ser divulgado em abril pelo Fundo Monetário Internacional.
Para efeitos de análise, convém destrinchar a performance da economia por trimestre. Em 2020, o país teve um terceiro trimestre de forte recuperação, com alta de 7,7% do PIB, o que se deveu não apenas a um efeito estatístico (pois a base de comparação era muito baixa), mas também à injeção de bilhões de reais na economia, por meio do auxílio emergencial aos mais necessitados. No último trimestre, no entanto, o ritmo arrefeceu para 3,2%. A esperada recuperação em V ficou no meio do caminho – a haste da direita foi cortada pela metade.
Este primeiro trimestre não dá sinais de que esteja havendo uma movimentação mais robusta nos vários setores econômicos. Ao contrário, os termômetros mais sensíveis indicam estagnação, se não algum grau de recessão O cenário não surpreende. O desemprego continua em patamar elevadíssimo, em torno de 14% da população economicamente ativa. O auxílio emergencial foi suspenso. O quadro pandêmico se agravou, causando mais de mil mortes por dia e esgotando as estruturas do sistema de saúde e debilitando as empresas.
O que esperar da economia a partir de agora? Em primeiro lugar, há que se rejeitar explicações mecânicas. A situação não vai continuar ruim, necessariamente, só porque estava ruim antes – não há moto-contínuo. Nem vai melhorar, necessariamente, porque antes estava ruim – no fundo do poço sempre pode haver um alçapão.
O que importa é avaliar as circunstâncias dadas e previstas. Com relação à pandemia, por exemplo, é possível prever algum alívio a médio prazo. O quadro ainda vai piorar antes de melhorar. Mas a melhora, salvo alguma surpresa sinistra, é inexorável, apesar dos muitos erros cometidos pelas autoridades. A vacinação ainda lenta vai se intensificar na medida em que a oferta aumentar, via importação
e produção nacional. A impaciência da população – com a demora do imunizante, com o abre e fecha da economia – é mais do que compreensível, mas não deve ser tomada como indicador de que a pandemia vai piorar indefinidamente.
Para que a economia volte a crescer com consistência – talvez a partir do segundo semestre – o governo deve fazer sua parte. Em primeiro lugar, continuar respeitando o regime fiscal, com a garantia de que o novo auxílio emergencial não leve ao descumprimento do teto de gastos – um desastre que atingiria a todos, com punição maior aos mais pobres. Em segundo, o Executivo deveria aproveitar a orientação das novas presidências das casas legislativas para aprovar, sem mais delongas, as reformas estruturais de que o Brasil depende para prosperar com mais justiça social.
Flávio Rocha é Presidente do Conselho de Administração do Grupo Guararapes
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