Roberto Jatahy, do Grupo Soma, à direita e Alexandre Birman, da Arezzo&Co, à esquerda (Divulgação) 07/02/24
Quando os fundadores das marcas de moda ANIMALE e FARM Rio decidiram unir seus negócios e criar o Grupo SOMA, o objetivo era não serem engolidos por grandes companhias que se formavam no mercado. O ano era 2010 e executivos sem experiência no varejo mas com muito dinheiro em caixa colocaram em ação um agressivo plano de fusões e aquisições para criar grupos de múltiplas marcas e dominar o mercado de moda.
Quatorze anos depois, esses nomes quase sumiram do mapa e quem se encontra com o poder de dominância agora é justamente o Grupo Soma. No início da semana, a companhia anunciou a fusão com a Arezzo&Co em um negócio de R$ 12 bilhões de faturamento anual e 34 marcas no portfolio.
Mas, afinal, como Soma e Arezzo conseguiram crescer nos últimos anos enquanto seus concorrentes afundaram? Qual o potencial e desafios que devem enfrentar com a fusão? O Boletim Varejo foi atrás de respostas com consultores, empresários e executivos do setor.
O início do namoro
A Arezzo, com suas marcas de calçados femininos, e o Grupo Soma, que sempre focou em roupas femininas premium, têm trajetórias e expertise bem diferentes no mercado. Mas se aproximaram em 2021, quando disputaram a aquisição da Cia. Hering, que acabaria sendo comprada pelo Soma por R$ 5,14 bilhões.
A briga pela Hering — uma operação com grande parque industrial e distante do mercado premium — deixou claro que tanto Arezzo quanto Soma já não estavam mais de olho apenas no segmento que as fez crescer, mas buscavam novas áreas de expansão para criar um grande grupo de varejo.
“Achei que Birman [CEO da Arezzo] estava chateado comigo após Hering, mas marcamos de nos falar em abril de 2021 e tudo foi sendo construído aos poucos”, explicou Roberto Jatahy, cofundador da Animale e CEO do Grupo Soma, em coletiva de imprensa sobre quando as conversas para a fusão tiveram início.
Da esq. à dir.: Marcello Bastos (cofundador da Farm), Alexandre Birman (CEO da Arezzo), Kátia Barros (cofundadora da Farm), Roberto Jatahy (CEO do Grupo Soma) e Rony Meisler (fundador da Reserva). (Foto: Divulgação)
Somar para crescer
A compra de novas marcas, como a que fez Arezzo e Soma se esbarrarem, tem sido uma das principais via de crescimento das duas companhias nos últimos anos.
No Grupo Soma, as aquisições se intensificaram a partir de 2015, com a Foxton. Depois, vieram marcas como Cris Barros, Maria Filó e NV. O foco, antes da Hering, sempre esteve no segmento de roupas premium femininas.
A tentativa de criar uma House of Brands (Casa de Marcas, em tradução literal) está longe de ser algo singular no Brasil. Quando o Soma teve início, dois grandes grupos se formavam no mercado com muito dinheiro em caixa: a Inbrands, com marcas como Ellus, Richards, Salinas e Alexandre Herchcovitch, e a Veste (antiga Restoque) com nomes como Le Lis Blanc, Dudalina e John John.
No fundo, todas tentam seguir, ainda que em menor escala, o exemplo do que é hoje uma das empresas mais valiosas do mundo: o grupo francês de artigos de luxo LVMH. Dono de um império de 75 marcas como Louis Vuitton, Tiffany & Co. e Dom Pérignon, o grupo é fruto de uma estratégia meticulosamente desenhada e bem executada desde 1987.
A executiva Mariana Cerone explica, no entanto, que a criação de uma House of Brands passa por muito mais pontos do que apenas a captura de sinergias entre as marcas adquiridas (confira os pontos levantados por ela no quadro abaixo). No caso de Inbands e Veste, a maior dificuldade enfrentada foi integrar gestões e culturas de sócios das empresas adquiridas ao longo dos anos.
Os diferenciais de Soma e Arezzo
Uma integração bem-feita de marcas é o que tem diferenciado o Soma até aqui. “A tese de investimento do Soma é a mesma de Inbrand e Vest: fazer aquisições e trazer eficiência operacional e de backoffice cuidando de processos, pessoas, tecnologia e recursos humanos. Mas, no caso do Soma, o Jatahy é uma pessoa que conhece o varejo, tem uma linguagem e visão do varejo e entende que o criador tem sim um diferencial importante. Ele tira a parte chata da empresa e mantém o respeito ao criador, dando liberdade para ele trabalhar a marca”, explica Ana (Popy) Tozzi, CEO da AGR Consultores.
“Tudo o que o cliente vê, é da marca e ela tem total liberdade para executar. Tudo o que ele não vê, a gente integra”, definiu Jatahy sobre como funciona o processo de integração e liberdade das marcas do grupo em um podcast em 2020.
A Arezzo, fundada em 1972, sempre focou em criar novas marcas de sapatos para atingir os diferentes públicos do mercado feminino. Foi assim que Schutz, AnaCapri e Alme nasceram, por exemplo. Mas, ao entender que era hora de entrar em novos segmentos, a saída foi partir para aquisições.
A primeira grande compra foi a da Reserva, em 2020. “A Arezzo vem crescendo de maneira muito consistente, de várias formas há vários anos com qualidade e resultado. Ela conseguiu imprimir uma escalada e uma total dominância no mercado premium de calçados no Brasil e ela tem conseguido, via aquisições, crescer em alguns nichos que não conhecia, como Reserva, em moda masculina, Carol Bassi, vestuário feminino, e Baw, no mercado jovem”, explica Alberto Serrentino, fundador da consultoria Varese Retail, sobre a empresa.
“Tanto a Arezzo como o Soma mostram ao Brasil e a marcas com menor robustez empresarial que todos podem seguir criativos e encantar a cada dia com experiência de loja, experiência digital e, claro, com produtos incríveis. Mas é necessário constituir uma companhia com executivos e executivas preparados, definir processos, criaruma jornada de profissionalização que poucas empresas conseguem fazer”, afirma Pablo Canano, CEO da consultoria Driven.CX.
Os desafios da nova empresa
Com a fusão, que ainda precisa ser aprovada pelo Cade (órgão que regula a concorrência no Brasil), Soma e Arezzo criam uma House of Brands com ambição de ser global, mas que deve começar a aparecer mesmo para o mercado apenas em 2025. “Não estamos com pressa. O ano de 2024 será de estruturação das bases, para que em 2025, aí sim, possamos gerar uma grande alavancagem de receita e na última linha da companhia”, disse Birman durante a coletiva de imprensa.
O plano apresentado nesta semana mostra que o novo grupo, que ainda não tem nome definido, terá quatro unidades de negócios: calçados e vestuários (liderado por Luciana Wodzik, da Arezzo); vestuário feminino e lifestyle (liderado por Jatahy); vestuário masculino (liderado por Rony Meisler, fundador da Reserva); e vestuário democrático (liderado por Thiago Hering, do grupo Hering). Birman será o CEO de toda a companhia.
Especialistas apontam que um dos principais desafios da nova empresa será capturar todas as sinergias possíveis e transformar o grupo em um negócio eficiente.
“A implantação da fusão e captura de sinergia é algo complexo e que tem que ser feito rápido, em dois anos, para não perder seu valor. O PPT aceita tudo, mas, na prática, é mais difícil”, afirma Poppy, consultora de varejo. Como exemplo, ela cita o caso da Natura, que comprou a Avon em 2019 e que ainda enfrenta dificuldades na integração.
As culturas de Arezzo e Soma são vistas como bem diferentes e criar uma nova que integre a todos será o outro grande desafio do grupo. “Eles têm cultura e gestões diferentes, mas isso não significa que não possa ser integrado e harmonizado. Esse é o grande desafio de fazer qualquer fusão. É preciso ter muita maturidade e muita racionalidade nas decisões”, afirma Serrentino.
Esta edição conta com a participação de Mariana Cerone, Ana (Popy) Tozzi, Alberto Serrentino, Pablo Canano e Eduardo Gadens.