Por Carolina Nalin

Ana Clara Veloso e Anna Bustamante — Rio

12/11/2024 o GLOBO

Mesmo com dólar a R$ 5,76, o varejo está confiante no aumento das vendas para Black Friday e Natal. O otimismo é embalado por estratégias de antecipação de estoques e maior renda disponível das famílias. Mas com itens importados tradicionais nesta época do ano nas alturas, o desafio é fazer caber no “inelástico bolso do consumidor” itens que vão do bacalhau, azeite e vinho, típicos da ceia, até os eletrônicos mais cobiçados para presentes, como smartphones e computadores.

Atentos ao cenário, lojistas anteciparam negociações e ampliaram fornecedores para minimizar o impacto. Redes de supermercado reforçaram a aposta em marcas próprias, um jeito de oferecer preço mais competitivo aos clientes.

No Cadeg, tradicional centro de abastecimento em Benfica, na Zona Norte do Rio, a estratégia de boa parte dos lojistas foi antecipar pedidos junto aos fornecedores para garantir preço final melhor ao cliente, com negociações em setembro.

— Muitos conseguiram pegar um dólar que não tinha explodido ainda — conta André Lobo, diretor social do Cadeg.

Em um sinal de que o consumidor busca de planejar as compras para fazer a ceia caber no orçamento, Lobo observa que o movimento nas lojas este mês está maior que o do ano passado:

— Quem fez um planejamento adequado está seguro, mas, se a demanda for ainda maior, alguns lojistas terão que fazer novas compras. Em reposição não tem como segurar preço. A gente recomenda que os clientes não deixem para comprar na última hora.

Castanha e frutas secas: Negociações com fornecedor para evitar salto de preço — Foto: Beatriz Orle/Agência O Globo

Josias Alves, que há anos trabalha no Cadeg, respondia a um cliente que pedia desconto em uma peça de filé de bacalhau. “Já está no preço”, disse, antes de explicar que a alta no dólar influenciou os valores este ano:

 

 

— Está salgado para todo mundo. O dólar aumentou e ninguém está fazendo estoque como antigamente, porque a mercadoria está cara. Ano passado comprei bacalhau por R$ 95, agora comprei por R$ 105.

Na casa de Maria da Cruz, de 60 anos, a saída foi garantir o carro-chefe da ceia logo no início de novembro:

— A gente já tá se preparando agora, comprando as coisas que pode comprar. O bacalhau está bem mais caro, mas vou ter que comprar assim mesmo. Não tem jeito, o que eu sempre faço em casa é a salada de bacalhau, que leva peixe, batatas e muito azeite.

Importação em alta

Dados compilados por Fabio Bentes, economista sênior da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), com exclusividade para O GLOBO indicam que o dólar não será empecilho às vendas, já que o varejo aumentou importações em outubro, em comparação ao mesmo mês do ano passado, apesar da valorização de cerca de 5% da moeda americana no período.

“Está salgado para todo mundo. O dólar aumentou e ninguém está fazendo estoque como antigamente, porque a mercadoria está cara. Ano passado comprei bacalhau por R$ 95, agora comprei por R$ 105”, Josias Alves, vendedor de loja do Cadeg

Esse aumento se reflete nas importações de alimentos e em outras categorias de consumo.

A pesquisa da CNC mostra aumentos significativos em itens como smartphones, com alta de 97% no valor das importações, seguido por consoles de videogame (45%), brinquedos (44%) e calçados esportivos (37%). No segmento de alimentos e bebidas, a importação de nozes cresceu 34%, enquanto a de bacalhau subiu 27%, a de espumantes, 15%, e a de vinhos, 14%.

— Um fator (para o aumento da importação) é o lastro que o mercado de trabalho está dando ao consumo. Mesmo que os preços sofram algum impacto, a população está com mais recursos para consumir do que no ano passado, com aumento da massa real de rendimentos (descontada a inflação) —diz.

A pouco mais de um mês do Natal, a Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros) afirma que variações no câmbio ainda podem impactar os preços do fim de ano. Além de celulares e computadores, o câmbio pode afetar o preço de eletrodomésticos fabricados no Brasil — geralmente, na Zona Franca de Manaus — que dependem de insumos vindos do exterior, como o aço.

“O aumento do dólar no Brasil impacta negativamente o setor eletroeletrônico nacional de várias formas, especialmente nos custos de produção, nos preços finais ao consumidor e na demanda do mercado”, informou a Eletros.

A ceia, principalmente, tende a ser impactada pelos próximos movimentos do câmbio, explica Matheus Dias, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV:

— Alimentos costumam ter um ciclo mais curto, e o câmbio deste momento ainda pode impactar nos preços do bacalhau, do azeite e do vinho.

Azeite, o vilão

O azeite chegou em julho ao seu ápice de valorização no acumulado de um ano: 48%. Em agosto, setembro e outubro, os acumulados referentes aos 12 meses anteriores caíram, chegando a 36%. Dias prevê, no entanto, a interrupção do processo de estabilização do preço em novembro.

O bacalhau, que apresentava números negativos para os acumulados de 12 meses desde fevereiro, pode ter reaceleração no fim do ano. E o vinho, que já marcava acelerações na casa de 1%, no acumulado de 12 meses desde agosto, deve continuar neste patamar.

Consumidora compra azeite de oliva no supermercado — Foto: Divulgação Mapa

Gabriel Santos, diretor de Operações da Casas Pedro, admite que a rede já não vinha conseguindo segurar o impacto da alta do dólar desde o início deste semestre. Com a recente variação do câmbio, a preocupação com as compras de Natal cresceu. O bacalhau, importado da Noruega, e as castanha portuguesas são muito importantes para a ceia e para os negócios.

— Fizemos as compras em outubro, fechamos os preços em dólar, mas muitos pagamentos são no momento do embarque, em novembro. Então estamos sofrendo o efeito do câmbio. Nos dois casos (bacalhau e castanha), temos preços na moeda de origem parecidos aos do ano passado, mas, quando importamos, a desvalorização do real pressiona os preços — explica Santos.

Em produtos como castanha de caju e aperitivos, as altas variam de 10% a 12%. A Casas Pedro afirma ter repassado apenas 6% aos clientes.

Para evitar uma escalada de preços na ceia, a estratégia da Casas Pedro é ampliar sua rede de fornecedores e negociar com os parceiros a redução dos preços. A rede ainda procura introduzir novas opções de produtos de qualidade similar, com tamanhos e especificações mais acessíveis.

Marcas próprias

Maior importador de vinhos, o GPA (Grupo Pão de Açúcar) está adotando para o Natal uma estratégia focada nas tendências de mercado e nas expectativas dos clientes. Segundo informações ao GLOBO, a rede tem realizado negociações específicas para itens de categorias sazonais, como panetones, carnes e aves natalinas, vinhos, espumantes e frutas típicas da época.

Ao lado do Extra, que pertence ao mesmo grupo, o Pão de Açúcar aposta em marcas próprias de panetones, carnes e aves para alavancar as vendas no Natal, uma forma de garantir preços mais competitivos ao consumidor. A projeção das redes é vender 10% mais que no ano passado. Só em panetones, o grupo espera comercializar 700 mil unidades até dezembro.

“Fizemos as compras em outubro, fechamos os preços em dólar, mas muitos pagamentos são no momento do embarque, em novembro. Então estamos sofrendo o efeito do câmbio”, Gabriel Santos, diretor de Operações da Casas Pedro

Para minimizar o impacto do dólar, muitos consumidores partiram para as trocas por similares mais em conta. Lobo, do Cadeg, diz que as famílias não deixam faltar o bacalhau na mesa, mas muitos clientes acabam trocando o lombo pelas lascas.

— Outra opção é comprar o bacalhau inteiro, e aí aproveitar parte para fazer bolinho de bacalhau, por exemplo. As famílias não ficam sem o bacalhau na mesa, mas há algumas alternativas para driblar o preço.

A Empório Gourmet, no Cadeg, oferece, entre outras opções, cestas prontas com produtos selecionados para a ceia. Neste ano, segundo Verônica Batista, gerente da loja, os compradores pediram a troca de quatro itens por outros de qualidade inferior.

— Tenho um cliente que compra 35 cestas anualmente. Neste ano ele pediu a troca de produtos porque senão teria um aumento de 15% nos gastos. O azeite, tive que diminuir a quantidade. Ia o de 500ml e agora teve que ser o de 250ml. (*Anna Bustamante, estagiária, sob a supervisão de Danielle Nogueira)

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