Mercado & Consumo –  de Luiz Alberto Marinho– 10.11.22

Muitos anos atrás, durante um workshop com um cliente, recomendamos que ele formasse um time multidisciplinar, caso quisesse realmente construir uma estratégia consistente de marketing. Afinal, nos shopping centers, o marketing costumava cuidar basicamente de comunicação e eventos, com honrosas exceções.

O produto, do ponto de vista de mix de lojas, ficava sob a responsabilidade da área comercial. Outros atributos relevantes da oferta, como ambiente, limpeza, segurança, estacionamento, mobiliário e paisagismo, geralmente eram responsabilidade do pessoal de operações. Portanto, para cuidar da experiência do consumidor, no sentido mais amplo, seria necessário integrar diferentes profissionais e competências de maneira coordenada e harmônica.

A ideia, apresentada muito tempo antes da popularização dos squads das metodologias ágeis, foi delicadamente reprovada. Ninguém estava disposto a mexer no vespeiro que seria intervir nos silos bem delimitados e controlados por cada gerente de área.

A história acima fala sobre marketing, mas poderia se aplicar à comercialização, relacionamento com lojistas, gestão de receitas e por aí vai. E continua tão atual quanto naquele tempo.

Temos observado, em diversos clientes, o esforço que é necessário fazer para que áreas obviamente complementares consigam trabalhar juntas, em prol de um objetivo comum. Pensar em marketing, comercial, digital e financeiro apoiando-se mutuamente para comercializar lojas, desenhar um novo tenant mix, desenvolver novos varejistas e apoiar o desempenho de pequenos lojistas não deveria ser tão complicado, não acha?

Então, por que é tão difícil abandonar o pensamento territorialista?

Em primeiro lugar, porque fomos treinados a vida inteira a pensar o mundo como uma máquina perfeita e previsível. Margareth Wheatley explicou essa lógica brilhantemente em sua obra “Leadership and the New Science” (Liderança e a Nova Ciência).

Ela escreveu: “A imagem mecanicista, enfatizada no século 17 por gênios como Isaac Newton e René Descartes, conduz à crença de que o estudo das partes é a chave para o entendimento do todo. As coisas são separadas, dissecadas literal ou figurativamente (como temos feito com as funções nas empresas, disciplinas acadêmicas, áreas de especialização, partes do corpo humano) e depois recolocadas juntas sem nenhuma perda significativa. A premissa é que quanto mais sabemos sobre o funcionamento de cada parte, mais vamos aprender sobre o todo”.

Em resumo, a gente continua encaixando as coisas, pessoas e funções em “caixinhas”. Enquanto isso, o mundo evolui e se transforma, como um organismo vivo que é, obrigando todas as empresas, e não apenas os shoppings, a abraçar novas estratégias. O digital apenas acelerou a velocidade dessas transformações.

Margareth propõe como solução o foco holístico e não nas partes. O objetivo das empresas deve ser a criação de sistemas integrados, onde relacionamento é o fator determinante. Em outras palavras, quem não for capaz de se relacionar com outras áreas, com lojistas, outras empresas e até com os concorrentes, vai ficar fora do jogo.

No entanto, para solucionar um problema, é preciso primeiro admitir que ele existe, certo? Pois bem, acontece que muita gente prefere acreditar que o mundo não mudou tanto assim. Que a lógica que prevaleceu até agora pode ser mantida por mais tempo. E que velhas práticas, desde que atualizadas com pitadas de marketing digital, ainda dão conta do recado.

Será mesmo possível?

Em 2001, Spencer Johnson lançou um livro despretensioso, que acabou vendendo mais de 20 milhões de cópias em todo o mundo. Chamava-se “Quem mexeu no meu queijo”. A parábola de Johnson conta a história de dois ratos, Sniff e Scurry, que habitavam um labirinto, onde também viviam dois duendes, Hem e Haw. Todos os dias, ratos e duendes andavam pelo labirinto em busca do queijo com o qual se alimentavam. Resumindo a história, os duendes se acomodaram com a ideia de que o queijo estaria sempre ali à espera deles e não perceberam que o estoque diminuía a cada dia. Quando o queijo finalmente acabou, os ratos saíram farejando pelo labirinto atrás de novos alimentos, enquanto os duendes esbravejavam e tentavam descobrir quem havia mexido no queijo, que eles pensavam que era inesgotável.

Também no mundo dos shoppings, tem gente farejando novos alimentos, enquanto outros simplesmente embalam a ideia de que é possível seguir a rotina de sempre, pois o queijo estará ali à sua espera. Nessa jornada pelo novo, o primeiro passo precisa ser enxergar a necessidade de descobrir novas soluções.

Como dizia Albert Einstein, nenhum problema pode ser resolvido a partir da mesma lógica que o criou. É preciso mudar o modelo mental. A inevitável evolução dos shopping centers obrigará essas empresas a repensarem suas estruturas e relações entre áreas. Profissionais precisarão adquirir novas competências. E todos deveremos encarar os negócios como um sistema vivo, em permanente transformação.

Nada será como antes. Quem viver, verá.

Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.

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