COM A PALAVRA FABIO FACCIO

Edição impressa de 13/04/2020. Alterada em 13/04 às 03h00min
Adriana Lampert
O administrador de empresas Fabio Adegas Faccio (47 anos) vive um dos maiores desafios de sua carreira. Diretor-presidente da varejista Lojas Renner, o executivo está à frente das ações do Comitê de Crise no combate à disseminação da Covid-19 da companhia – que é uma das maiores do setor no País (com lucro líquido de R$ 1,1 bilhão em 2019). Paulista, com MBA em Varejo pela FGV/SP e formação em Harvard, o CEO ingressou na empresa como trainee em 1999 e tem uma trajetória profissional fortemente ligada ao crescimento da Renner. Agora, trabalha para deixar um legado à sociedade.
No dia 25 de março, a Renner comunicou ao mercado que não irá demitir colaboradores sem justa causa por tempo indeterminado. A medida foi uma resposta à crise gerada pela pandemia do novo coronavírus. A companhia está entre as primeiras grandes do varejo a fechar 100% de suas lojas em todo o território nacional (600 unidades).
Também é uma das pioneiras no auxílio financeiro para combater os reflexos da Covid-19, com a doação de R$ 4,1 milhões para compra de insumos por hospitais da região Sul e Sudeste responsáveis por unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) – a exemplo do Conceição e Clínicas, de Porto Alegre.
Empresas & Negócios – A paralisação de lojas físicas era considerada pelo Conselho da Renner antes de saírem decretos que determinaram o fechamento do comércio em localidades onde a empresa tem unidades?
Fabio Adegas Faccio – Quando ocorreram os primeiros decretos, já vínhamos discutindo essa escolha internamente – inclusive fechamos lojas nos lugares onde havia maior risco à população, como o Rio de Janeiro, Porto Alegre e São Paulo. Logo que os decretos foram publicados, decidimos fechar as operações em todo Brasil, embasados no relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS). Fizemos o mesmo no Uruguai e na Argentina, onde temos lojas operando. Neste momento, é importante deixar os negócios essenciais funcionando para que população mantenha o isolamento tendo acesso a esses produtos e serviços com segurança. No que se refere à Renner, nossas decisões são embasadas nos princípios e valores da empresa, cujo foco principal é a preservação das pessoas (clientes, equipe, parceiros e comunidade em geral).
E&N – Há quem defenda que a economia não pode parar, ainda que ocorram mortes…
Faccio – Não acredito em uma dicotomia (saúde das pessoas X economia), mas, se não forem tomadas medidas necessárias, gera-se um problema gravíssimo. Não temos uma escolha, temos que atacar os dois problemas, de forma coordenada. Os especialistas têm alertado que deixar de atacar o problema agora resultará em pessoas doentes e vidas perdidas. Isso, sim, irá gerar pânico e as pessoas não irão mais sair de casa, gerando uma crise econômica sem precedentes. Desde o início entendemos que a situação exige coordenação nas decisões. Fomos monitorando pelas equipes da China (onde a Renner conta com 60 colaboradores, nenhum deles com registro de infecção por Covid-19). Formamos um Comitê de Saúde, liderado por um médico da empresa, e, conforme o vírus foi se aproximando do Brasil, criamos um Comitê de Crise com diversas frentes (sociais, operacionais, negociações com parceiros, gestão da cadeia etc). Trabalhamos de forma ininterrupta, com objetivos eleitos coletivamente por diretores e principais executivos da Renner, além de técnicos responsáveis por cada área envolvida.
E&N – O que o fechamento de lojas irá significar financeiramente para a companhia?
Faccio: – Nossa receita fica diretamente afetada – aliás, neste momento, há muitos varejistas preocupados com a saúde financeira de suas empresas. Antes mesmo de fecharmos as portas da rede, as receitas tinham caído, mas entendemos que não era mantendo as operações funcionando que iríamos salvar a empresa. Além disso, seria uma decisão que colocaria em risco a vida das pessoas. Esperamos que, com boas medidas sanitárias sendo implementadas, o impacto futuro seja menor do que se demorássemos para agir. Adequamos os planos financeiros e ações para a retomada da economia considerando as diretrizes da OMS em todos os cenários possíveis, inclusive os mais drásticos. A empresa está bem coordenada. Reduzimos em 40% as estimativas de investimentos do início do ano. Na próxima assembleia de acionistas (remarcada para 29 de abril para avaliar o atual cenário), o Conselho Executivo irá sugerir a votação de que os dividendos sejam reduzidos de 50% para 25%. Com isso, pretendemos preservar capital, o que dependerá da votação dos acionistas. A companhia é muito sólida, com nível de endividamento baixo, e estamos fazendo tudo para atravessar a crise da melhor forma.
E&N – As vendas do e-commerce estão acontecendo?
Faccio – Estamos atendendo da forma mais segura possível, cumprindo o distanciamento, o que reduz o quadro de funcionários. Atualmente, apenas 3% do nosso quadro atua em e-commerce e entregas de forma presencial, cumprindo as normas de segurança, além de parte das centrais de atendimento telefônico. Um total de 90% está trabalhando em home office, compensando horas para serem pagas futuramente ou em férias. Então, para não sobrecarregar a operação de e-commerce, temos adequado as vendas ao volume que conseguimos atender. As vendas pela internet não cresceram muito, mas estão em um patamar bom. Gradualmente, de forma segura, isso irá aumentando.
E&N – A decisão de não demitir colaboradores sem justa passa pelo princípio de preservação das pessoas que rege a companhia?
Faccio – Preservar pessoas, empregos e a própria empresa, este é nosso objetivo. O vírus ataca a saúde das pessoas e da economia também,. Estamos todos no mesmo barco e a realidade, por mais difícil, precisa ser encarada. É preciso que o governo também coloque em prática medidas anunciadas para ajudar empresas e pessoas a passarem pela crise. Também as empresas devem colaborar e fazer de tudo para manter empregos – por isso é muito importante o governo fomentar com linhas de crédito, instrumentos trabalhistas, entre outras formas. A crise exige adaptabilidade forte. No caso da Renner, já trabalhávamos muito a tecnologia e o mindset colaborativo. Está sendo um teste de fogo colocar em prática tudo que aprendemos nos últimos anos. .
E&N – Como manter a sustentabilidade das empresas neste cenário?
Faccio – No nosso caso, começamos a trabalhar a redução de despesas e investimentos, a preservação de caixa para que fizéssemos de forma segura e saudável os esforços necessários. A guerra é uma só contra um inimigo que nos ataca em duas frentes (saúde da população e economia), temos que nos defender em ambas dando prioridade para as vidas, mas também com ações para manter a saúde financeira das empresas. Este é o foco também das autoridades mundiais, que atuam de forma conjunta para mitigar o avanço da doença e coordenar a economia.
E&N – Quais os aspectos positivos se pode tirar desta situação?
Faccio – Um dos grandes aprendizados é a união, a solidariedade, o trabalho em parceria; o ecossistema. Várias empresas de diversos segmentos ou até concorrentes se unindo, com ações conjuntas, isso é um grande legado. Outro é esse da transformação digital que já era importante, e está sendo empurrado para acelerarmos neste momento. Métodos colaborativos e formas de trabalho também devem mudar. Tem muita gente se questionando se é necessário se deslocar e viajar tanto, o que pode colaborar para a qualidade de vida das pessoas e das empresas.

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